terça-feira, 9 de dezembro de 2014


Apresentação dos 14 volumes da 2ª Série das Memórias d'Odiana


Tirando partido das fotos do meu amigo Guilherme Cardoso, e para memória futura (tanto quanto as redes sociais o venham a conservar...) aproveito para transcrever a minha intervenção.



Começo por cumprimentar a Mesa, e desde logo o Dr. António Dieb, ilustre Presidente da Comissão de Coordenação do Alentejo, a entidade que reconhecendo e validando o mérito da proposta conjunta da Direcção Regional de Cultura e da EDIA, tornou possível este projecto, garantindo o seu financiamento através do INALENTEJO.
Cumprimento também o sr. Presidente do Conselho de Administração da EDIA, Eng José Salema, empresa pública que desde a sua criação há duas décadas é uma referência no contexto das boas práticas da minimização de impactos ambientais, com especial relevância no âmbito da salvaguarda preventiva do património arqueológico. Aproveito o ensejo para, através do Sr. Engenheiro, transmitir os meus agradecimentos aos trabalhadores da Empresa, aos quais tantos laços de amizade me ligam, em especial aos técnicos da área de ambiente e património, directamente envolvidos na presente parceria.
Cumprimento também a Sra. Directora Regional de Cultura do Alentejo, na pessoa da Dra Ana Paula Amendoeira, a minha actual “chefe”, mas colega e amiga de longa data. O organismo que dirige desde há um ano, é afinal o herdeiro das sucessivas estruturas desconcentradas da Administração Pública que, desde o início dos anos 80 sempre acompanharam, na perspectiva da salvaguarda do património cultural, o dossier Alqueva. No caso particular deste projecto editorial, a participação da Direcção Regional foi muito além do mero acompanhamento, obrigando ao envolvimento dos seus próprios meios, pelo que gostaria tornar extensíveis estes agradecimentos a todos os meus colegas, destacando em particular o Dr. Frederico Tátá, colocado actualmente na Direcção Regional do Algarve mas que apesar disso me apoiou neste processo até à entrega do último volume. Aproveito também a ocasião para lembrar, o papel da anterior Directora Regional, a Prof. Aurora Carapinha que assinou o Protocolo com a EDIA em 2010. Devo confessar que, tendo em conta as dificuldades administrativas verdadeiramente kafkianas que foi preciso ultrapassar, se não fosse a sua teimosia feminina, hoje não estaríamos aqui… E já agora, falando em dificuldades, não posso deixar de louvar a empresa editora, selecionada por concurso público muito concorrido, através do seu responsável, o Sr Vitor Mateus, que na relação connosco e sobretudo com os autores, dos mais tolerantes aos mais exigentes, foi sempre muito além do que o profissionalismo e o caderno de encargos lhe exigiam.
Naturalmente agradeço também a colaboração neste evento dos meus amigos, Doutor José d’Encarnação e Dr. Luis Raposo. Também eles têm algo a ver com este processo Alqueva. O Zé d’Encarnação (peço desculpa pela informalidade fruto de muitos anos de amizade e convívio profissional) julgo que participou em 1994 em representação da Universidade de Coimbra, numa importante reunião promovida no INA pelo Ministro Valente de Oliveira em 1994, onde também estive em representação do IPPAR e que abriu as portas ao projecto Arqueológico do Alqueva. Por sua vez, o Luis Raposo, foi membro da Comissão de Acompanhamento instituída em 1997 no âmbito do Protocolo assinado entre a EDIA e o extinto IPA, comissão que apoiou este programa arqueológico até à conclusão da Barragem e que teve um papel fundamental para o seu reconhecido sucesso.
Por fim um especial agradecimento ao Museu Nacional de Arqueologia na pessoa do seu actual director, o Dr. António Carvalho, que aceitou entusiasticamente a sugestão para que este evento, pelo seu significado, se realizasse naquela que é verdadeiramente a “casa-mãe” dos arqueólogos portugueses.



Exmos senhores e senhoras, caros colegas e amigos

Não é meu hábito, em ocasiões como esta, recorrer ao apoio escrito mas, desta vez tem de ser. O assunto é-me demasiado próximo e sensível para que não me desvie de um qualquer fio condutor por mais largo que esta seja. Mas não será a única regra que hoje vou quebrar. Fui eu que propus a “ordem de trabalhos” e nela competia-me evocar o Projecto Arqueológico do Alqueva na sua fase inicial ligada à Barragem, fase agora finalmente encerrada. Mas pensando bem, não iria fazer mais do que me repetir. Sobre esse assunto, quase tudo aquilo que do ponto de vista factual deveria ser registado, já está afinal editado, nomeadamente nos vários volumes da 1ª série das Memórias d’Odiana ou no extenso “dossier Alqueva” publicado em 2002 pela Revista Almadan.
Assim sendo, tendo em conta que esta será talvez a minha última intervenção institucional relacionada com este tema a que estou ligado pelo menos desde 1975, resolvi ensaiar uma abordagem mais pessoal, revisitando algumas memórias, daquilo que, passados afinal tantos anos, alguns dos livros agora editados me evocam
E comecemos pela“A ARTE RUPESTRE DO GUADIANA PORTUGUÊS”, o primeiro volume, por opção editorial claramente assumida. Num processo tão complexo como o do Alqueva mas que de uma maneira geral conseguiu ser bastante consensual (graças a algumas lições aprendidas anteriormente), as circunstâncias inopinadas e tardias da “descoberta da Arte Rupestre”, representaram sempre para mim, como responsável técnico do projecto, uma indisfarçável “pedra no sapato”. Já sobre esse tema me pronunciei em diversos fóruns e não vale a pena regressar de novo ao assunto. Quer a rápida e eficaz resposta institucional da EDIA à época dos eventos, a pouco mais de um ano do fecho das comportas, quer a generosidade e qualidade das equipas envolvidas na espinhosa missão de resgatar pelo registo sistemático, os vestígios rupestres do Guadiana espanhol e português tinha que ter um remate condigno que apenas a publicação científica permitiria atingir. Aproveito, pois, para aqui reafirmar o reconhecimento pelo excelente trabalho produzido em Espanha pelo meu colega Hipolito Collado, entretanto magnificamente publicado em 2006, na 1ª série das Memórias d’Odiana. Mas é ao António Martinho Batista, ao André Santos e a toda a equipa do extinto Centro Nacional de Arte Rupestre, actualmente integrada no Museu do Côa, que hoje quero prestar homenagem. Fui colega do António desde o 1º ano da Faculdade. Aliás é talvez o primeiro colega de que me recordo individualmente, precisamente de uma aula prática algures em finais de 1970, conduzida ao fundo desta mesma ala pelo Dr Luis de Matos em torno de uma vitrina, modelo Manuel Heleno, cheia de pedra lascada… Poucos meses depois fomos ambos “recrutados” para participar, com outros colegas de curso, nos trabalhos de salvamento do complexo de arte rupestre do Vale do Tejo, nas vésperas do enchimento da Barragem do Fratel (as Barragens perseguem-nos). O António iniciou então uma já longa carreira inteiramente ligada ao estudo da Arte Rupestre de que é hoje um dos mais conceituados especialistas a nível internacional. Após o seu intenso envolvimento no processo de salvamento e estudo da Arte Rupestre do Vale do Côa em meados dos anos 90, recordo a generosidade e sacrifício físico (dadas as condições de trabalho) mas também psicológico, atendendo ao ambiente de suspeição entretanto gerado por alguns sectores, com que, sem hesitações, aceitou o convite que lhe dirigi em 2001. Com a equipa que formara no Côa, levaria a cabo de forma absolutamente eficaz, a prospecção, levantamento e estudo da Arte Rupestre do Guadiana, arte que aliás ele próprio de algum modo antevira ao publicar com Manuela Martins, ainda nos anos 70, um pequeno conjunto de gravuras descoberto nas proximidades do Pulo do Lobo. A publicação deste volume era para ele e para mim, não apenas um imperativo científico mas também uma questão de honra.


Se pelas razões circunstanciais que referi, a arte rupestre deveria ser o primeiro volume a ser publicado, a ordem cronológica, mas não só, impunha que se lhe seguisse o Paleolítico, temática a que razões também pessoais me ligavam particularmente. De facto, desde a Faculdade que o meu interesse por este período da Pré-história tinha sido condicionado pelo convívio com outros colegas no âmbito de uma informal associação de estudos (o GEPP- Grupo de Estudos do paleolítico Português com sede neste Museu) grupo que esteve na origem dos trabalhos já referidos na Barragem do Fratel. Foi também com uma equipa do GEPP (Luis Raposo, Francisco Sande Lemos, João Ludgero Marques ainda como alunos da Faculdade de Letras e sob sugestão e com o apoio do Dr José Morais Arnaud, então assistente e hoje ilustre presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses) que na Páscoa de 1975 participei pela primeira vez em trabalhos de campo no Guadiana, já então com o pretexto do próximo início de construção da Barragem do Alqueva. As lembranças já são algo difusas, mas após uma passagem pela aldeia da Estrela, onde assistimos a uma peculiar procissão dos Passos (com muitos santos e respectivos andores mas sem padres, o que para um nativo de terras de aquém Tejo era qualquer coisa de particularmente estranho) recordo ter estado algures num perdido fim de estrada, sobre uma ravina da margem esquerda do Guadiana, onde o único sinal da transfiguração anunciada era dado por uma pequena barraca à volta da qual se acumulavam os restos de carotes, vestígios óbvios de sondagens geológicas e única prova de que estávamos no sítio onde nasceria um quarto de século depois o paredão da Barragem do Alqueva. Resultou também dessa expedição o reconhecimento que para montante do Ardila e do Degebe, o panorama no que respeitava aos vestígios do Paleolítico não seria muito diverso do observado a jusante, por Abel Viana nos anos 40 quando acompanhara Mariano Feio no reconhecimento dos terraços quaternários do Guadiana. Ou seja, muitos materiais líticos à superfície dos antigos depósitos sedimentares mas de atribuição cronológica muito imprecisa dada a falta de estratigrafias associadas. Nessa mesma expedição, entre outros locais de potencial interesse, localizaríamos na zona do Xerez, num corte da estrada de Monsaraz próximo da velha ponte de Mourão, um sítio cujos materiais pareciam apontar para o Paleolítico Médio. Poucos tempo depois eu e o Luis Raposo realizámos aí algumas sondagens e recolhas sistemáticas de superfície cujos resultados algo inconclusivos nos ajudaram pelo menos a reflectir sobre as limitações do recurso a modelos interpretativos construídos apenas em dados tipológicos. Tudo isto a propósito dos resultados, agora publicados em dois volumes, obtidos pela equipa que se ocupou do estudo do “Paleolítico” em todo o Regolfo e que encontrou nesta mesma bacia do Xerez, um dos seus campos mais profícuos. Tratava-se de uma equipa jovem, liderada pelo Francisco Almeida, doutorado nos Estados Unidos e hoje a trabalhar como arqueólogo na Austrália (sinal dos tempos) mas que contou com o apoio de investigadores seniores, também eles de algum modo ligados ao antigo GEPP. Desde logo da Doutora Ana Cristina Araújo, a responsável pelo exemplar estudo do sítio mesolítico da Barca do Xerez de Baixo, um sítio especial (identificado pelo meu antigo braço direito na EDIA, José Perdigão), que revelou vestígios de um acampamento datado por métodos absolutos da transição entre o Paleolítico e o Neolítico e testemunho dos últimos caçadores-recolectores do nosso território. Por outro lado, o apoio do Doutor João Pedro Ribeiro, ex Sub-director geral do IGESPAR, que dirigiu a escavação nos “Sapateiros”, um dos raros sítios do Paleolítico Médio encontrado em estratigrafia e localizado junto aos pilares da nova Ponte de Mourão, então em construção, não muito longe do local que eu e o Luis Raposo sondáramos em 1980. Ainda uma referência a propósito da Barca do Xerez. Tendo em conta a raridade e o significado das estruturas aí encontradas, foi decidido antes do inevitável alagamento, proceder à remoção controlada de uma “fatia” de um dos perfis estratigráficos mais interessantes, no qual era possível observar os restos de uma lareira… Depois de alguns anos em armazém, a EDIA procedeu recentemente à sua “remontagem” com fins didáticos, no átrio da sua própria sede em Beja.
Uma das vantagens do modelo de selecção das diferentes equipas que se candidataram em 1997 a executar os trabalhos de minimização no regolfo de Alqueva, e que hoje seria totalmente incompatível com as regras do Código da Contratação Pública, era a aceitação, a par de outros critérios, do princípio da precedência científica. Daí que tenha sido natural a escolha da equipa do Prof. Vítor Gonçalves para o estudo do megalitismo e do povoamento neolítico da zona de Reguengos, território onde há muito vinha desenvolvendo investigação de campo e sobre o qual tinha já então obra publicada. A minha qualidade de seu antigo aluno na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no entanto, nem sempre facilitou as nossas relações no terreno enquanto representante da entidade contratante, a EDIA. Ainda hoje recordo o formalismo com que era recebido pelas suas assistentes (as Dras Ana Catarina Sousa, Ana Sofia Gomes e Carolina Grilo) nos diversos sítios em escavação, arqueólogas recém-formadas, que eu não conhecia mas de quem entretanto me viria a tornar amigo. Entre elas, recordo em particular o grande empenho profissional da Ana Catarina, hoje Professora na Faculdade de Letras e com quem viria muito mais tarde a trabalhar no âmbito das suas funções como Sub-directora do IGESPAR, a qual acabou por ter um importante papel de intermediação que se revelou crucial para a ultrapassagem de algumas dificuldades que pareciam ameaçar a produção destas duas volumosas monografias. Os monumentos megalíticos mais chegados ao Guadiana ou ao Degebe escavados por esta equipa, como a Anta do Piornal, acabaram inundados ainda que protegidos da melhor forma que sabíamos. Mas nem tudo a água cobriu. Um dos sítios escavado pelo Professor Vitor Gonçalves, Xerez 12, que havia também sido identificado (mais um) pelo técnico José Perdigão, viria a revelar-se particularmente significativo atendendo à descoberta de um raríssimo conjunto de “fornos” de argila, datados do Neolítico Antigo, milagrosamente conservados, alguns apresentando ainda restos culinários (o que levou o Professor, com a sua conhecida veia humorística, a falar nas origens do ensopado de borrego à alentejana). A raridade e importância destas estruturas impuseram a tomada de medidas excepcionais e, também neste caso pudemos contar com o apoio efectivo do Museu Nacional de Arqueologia. Foi uma equipa desta casa que procedeu à complexa operação de desmontagem e embalagem das referidas estruturas, hoje armazenadas nas suas reservas, aguardando oportunidade para futura exposição.


Há alguns arqueólogos que fazem parte obrigatória do historial do Alqueva. Entre eles, por certo, destacam-se a Dra Joaquina Soares e o Dr. Carlos Tavares da Silva. Introdutores da “arqueologia preventiva” profissional em Portugal nos anos 70, no contexto das obras da Área de Sines, viriam em boa hora, a integrar a equipa multidisciplinar que produziu um dos primeiros Estudos de Impacte Ambiental realizados no país, precisamente o estudo de 1984/86 sobre o Empreendimento do Alqueva, produzido pelo consórcio EGF/DRENA. Aliás a participação de uma equipa de arqueologia nesse estudo pioneiro, com a colaboração do Eng. José Manuel Mascarenhas da Universidade de Évora, viria a ter consequências muito para além do Alqueva, servindo durante muitos anos de modelo teórico na elaboração do descritor “património” destes Estudos, entretanto tornados obrigatórios. Foi naquele âmbito que identificaram, entre muitos outros sítios inéditos, o Povoado Calcolítico do Porto dos Carretas, sítio que viriam a escavar em extensão, com grande minúcia e rigor e que tive oportunidade de acompanhar de muito perto. A importância excepcional deste sítio e a dimensão dos trabalhos aí realizados (entretanto tema da tese de doutoramento da Doutora Joaquina Soares) acabaram por impor como opção editorial, que o volume previsto fosse exclusivamente afeto à sua edição monográfica, resultando numa das obras graficamente mais conseguida da colecção. Foi sacrificada, para já, a publicação de informação sobre outros pequenos povoados da transição do neolítico para o calcolítico que também estudaram e que esperamos possam vir a ser oportunamente divulgados.
Se há verdadeiramente uma nova realidade arqueológica trazida pelo projecto do Alqueva (agora falando da sua globalidade incluindo também e em especial os perímetros de rega), é a de que existe uma Arqueologia pré-histórica em negativo no território do Alentejo até há poucos anos totalmente desconhecida. É certo que o António Valera, o coordenador do volume agora na imagem, tinha integrado ainda como estudante a equipa da minha colega Ana Carvalho Dias que nos anos 80 identificou e escavou o povoado de fossos de Santa Vitória, próximo de Campo Maior sítio que, à época, parecia ser uma excepção. Mas foi aqui no Alqueva, primeiro nas margens do Guadiana mais tarde um pouco por todo o Alentejo que essa nova realidade se começou a impor e o António acabou por se tornar um dos responsáveis, se não mesmo o responsável, dessa verdadeira revolução epistemológica, a partir dos trabalhos que conduziu na Margem Esquerda do Guadiana, nas escavações da Malhada dos Mercadores ou da Julioa, na envolvente da Nova Aldeia da Luz. Naturalmente esta realidade também está presente na margem direita, onde a equipa dirigida por Manuel Calado identificou e escavou vários sítios com fossos. Mas infelizmente, neste caso, os dados ainda que disponíveis nos relatórios arquivados, continuarão para já insuficientemente publicados. Uma pequena nota a propósito desta arqueologia de “fossos”, que tem no extraordinário povoado dos Perdigões, próximo de Reguengos de Monsaraz, o respectivo paradigma. Actualmente objecto de exemplar projecto de investigação coordenado pelo próprio António Valera, este sítio, embora algo afastado do Alqueva, teve na sua identificação, a participação da EDIA. De facto deve-se uma equipa de prospecção liderada no terreno pelo técnico José Perdigão, a identificação deste povoado, pouco depois de inadvertidamente que ser vítima de uma profunda surriba para alargamento das vinhas da Herdade do Esporão.
Por razões de melhor visibilidade topográfica, mas também por antecedentes arqueológicos regionais, (graças aos antigos trabalhos de Pires Gonçalves em Reguengos ou de Fragoso Lima em Moura) já havia alguma informação relevante sobre a Proto-história da bacia do Guadiana, entretanto objecto de dois grandes projectos desenvolvidos em cada margem durante a construção da Barragem. Infelizmente e apesar de óptimos resultados em ambos os casos, apenas o projecto coordenado pelo Dr João Albergaria, chegaria à publicação monográfica, com a estreita colaboração do Dr. Samuel Melro que havia já participado nos trabalhos de campo. Aliás, quer um quer outro arqueólogo, são veteranos destas coisas do Alqueva, ainda que em campos diferentes. O Dr. João Albergaria, evoluiria para empresário prestador de serviços arqueológicos, tendo naturalmente a EDIA como um dos seus clientes (num processo evolutivo que foi transversal à generalidade das equipas envolvidas nesta fase de trabalhos no Regolfo). O Dr. Samuel Melro, actualmente meu colega na Direcção Regional, é o eficiente e rigoroso representante da Cultura que desde os tempos do exIPA acompanha junto da EDIA todo o processo de arqueologia preventiva associada ao desenvolvimento do Plano de Rega. Um detalhe muito pessoal. Localiza-se nesta área um importante povoado fortificado proto-histórico, o Castro dos Ratinhos, identificado nos anos 40 por Fragoso de Lima, sítio que ficaria fora do projecto do João Albergaria por não ser abrangido pelo Regolfo. Correspondendo a objectivos de futura valorização patrimonial e tendo em conta a sua relação directa com as infra-estrutras da Barragem, aí desenvolvi com a colaboração do Prof Luis Berrocal-Rangel da Universidade Autónoma de Madrid e o total apoio da EDIA, um projecto-piloto entre 2004 e 2007, cujos resultados seriam entretanto publicados em 2010 numa parceria com o Museu Nacional de Arqueologia.
A importância da informação disponível sobre a romanização deste território, balizada pela imponente presença do Castelo da Lousa, para além de um plano específico de intervenção neste monumento, determinou a definição de três zonas de projecto sobre esta temática. Uma abrangendo o Alandroal e parte de Reguengos. Uma outra mais a Sul centrada na Bacia do Degebe e finalmente, uma outra na margem esquerda (Mourão e Moura). Considerando que os novos estudos e levantamentos efectuados na sacrificada Lousa, sob a orientação do prof. Jorge Alarcão, foram já objecto de extensa e cuidada publicação monográfica pelo Museu Nacional de Arte Romana de Mérida em 2010, numa exemplar cooperação transfronteiriça apoiada pela EDIA e que os resultados da escavação da Julioa 24 (um “casal romano” vizinho da Nova Aldeia da Luz) foram também oportunamente publicados, podemos afirmar que com estas duas edições coordenadas pela Doutora Conceição Lopes para a Margem Esquerda e Sofia Gomes, Sandra Brazuna e Marta Macedo, para a margem direita, fica à nossa disposição todo um conjunto de dados que nos facilitam uma visão global da romanização dos territórios inundados. Cabe aqui, no entanto, uma nota de pesar. Para o processo ficar completo, ficou-nos apenas a faltar a monografia sobre a romanização da Bacia do Degebe, dado o infortúnio com o precoce falecimento por doença súbita do responsável do projecto, o arqueólogo João Carlos Faria. Apesar de, como era seu apanágio, o João Faria ter entregue pontualmente todos os relatórios, ficou em falta o indispensável tratamento editorial dos dados, de modo a que a monografia pudesse ser incluída na presente série.

A proposta de formalização de 3 áreas de projecto no domínio do Medieval, em paralelo com o plano de estudo da romanização, resultou da percepção decorrente dos dados disponíveis, que denunciavam um modelo de povoamento disperso, reflectido numa miríade de pequenos sítios distribuídos por todo o vale, sítios muitas vezes de difícil classificação cronológica (o que proporcionou algumas dificuldades e confusões no terreno) diferenciando-se entre si, normalmente apenas pela presença ou ausência da característica “Tegula”, assumida como fóssil director da cronologia romana. A estes três blocos de estudo, numa perspectiva historicamente mais próxima, acrescentava-se o estudo de um importante conjunto de atalaias identificadas ao longo da margem direita do Guadiana, relacionadas com as guerras da restauração. Deste último projecto, pese embora a sua plena concretização no terreno, não foi possível também chegar à fase monográfica. Resta-nos no entanto a satisfação de termos hoje à disposição três monografias sobre uma temática arqueológica normalmente pouco valorizada. Os coordenadores destas equipas, merecem-me uma referencia especial. O Dr. João Marques, é actualmente técnico da DGPC onde, a par de outras funções, acompanha junto da Autoridade do Ambiente, com o mesmo rigor e determinação com que orientou no terreno os trabalhos de salvamento arqueológico, os processos de AIA do Plano de Rega do Alqueva. O Dr. Fernando Ferreira, arqueólogo que conheci nos anos 80, no âmbito de escavações que solitariamente levava a efeito no Convento de S.Vicente de Fora em Lisboa e que apenas viria a reencontrar nos ermos perdidos do Guadiana. Investigador nem sempre consensual, não me ficaram quaisquer dúvidas sobre a qualidade e o rigor do trabalho que produziu no Alqueva, embora tenhamos discutido acaloradamnte algumas das suas conclusões teóricas que, de qualquer modo, ele defendeu depois em Tese de Doutoramento na Universidade de Salamanca. Uma última palavra para a Heloísa Santos e Paula Abranches, hoje empresárias da área da arqueologia, com trabalho divido entre o Alto Alentejo e o Porto. Coube-lhes em sorte, na margem esquerda, a descoberta de uma aldeia perdida, de que restavam apenas algumas lendas locais. Afinal a Vila Velha existia mesmo, com a sua Igreja, cemitério, casas e ruas…Já não foi possível (nem interessaria) escavá-la na totalidade. Mas a equipa manteve-se no terreno até a pequena península formada com a subida da cota do Rio ficar ameaçada de submersão.
Por fim, e ainda que este tema tenha já sido abordado, um último comentário a propósito do livro de fecho da colecção. Se, pelas razões que assumi, a Arte Rupestre tinha de ser o primeiro volume, este por diferentes motivos seria obrigatoriamente o último… No plano arqueológico do Alqueva que elaborámos em 1997 e que o então Ministério da Cultura aprovou através do Instituto Português de Arqueologia, previa-se no âmbito das várias medidas de acção, todo um capítulo específico para a minimização dos impactes arqueológicos acompanhando o desenvolvimento do Plano de Rega. Tal necessidade decorria não apenas do senso comum, mas fazia parte das conclusões de um novo estudo de impacto ambiental realizado em 1994, alargado à avaliação do Plano de Rega por exigência da Comunidade Europeia e que na componente patrimonial foi coordenado pelo Prof. João Luis Cardoso. Passo a citar um extrato das conclusões: “Tal preocupação é especialmente evidente nas zonas de solos de maior aptidão agrícola, que constituem por um lado as que maiores transformações irão conhecer, decorrentes da implantação dos sistemas de rega, sendo, por outro, como ficou demonstrado, os mais ricos do ponto de vista arqueológico”.
Ora a realidade veio a confirmar inteiramente, ainda que com algumas novidades e sobretudo muitas surpresas, estas avisadas palavras, como se demonstrou pelos resultados do 4º Colóquio de Arqueologia realizado em 2010 e no qual se fez um primeiro e alargado balanço dos trabalhos de campo associados ao Plano de Rega.
Daí a importância de, simbolicamente, encerrar esta colecção com a divulgação dos resultados desse encontro, ficando este último volume como verdadeiro “interface” entre a grande aventura dos sete anos de escavações no Vale do Guadiana, só agora definitivamente encerrada, e a nova e não menos excitante aventura da descoberta de uma pré-história desconhecida, a ser revelada, em negativo, ao longo das centenas de quilómetros de canais com que se vão hoje rasgando os barros alentejanos.

            

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