quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Fernando Rodrigues Ferreira

Monografia de F.E. Rodrigues Ferreira, sobre os seus trabalhos no Alqueva e que serviram de tema para a defesa da sua Tese de Doutoramento, na Universidade de Salamanca.


Acabo de saber pelo ARCHPORT que faleceu o arqueólogo Fernando Rodrigues Ferreira. Não serei a pessoa mais indicada para recordar este colega que mal conhecia até à sua participação entre 1998 e 2000 no Projecto do Alqueva, onde assumiu com uma pequena mas eficaz equipa, os trabalhos de campo de um dos blocos de arqueologia medieval-moderna (Bloco 13: Alandroal e Reguengos). O meu papel de coordenador geral dos trabalhos arqueológicos no Guadiana, aproximaram-nos nesses dias tão intensos, criando laços que nem as diferenças de opinião ou as características de personalidade de cada um, punham em causa. Nos últimos tempos retomámos algum contacto, nem sempre fácil, por telefone ou email, por via da preparação da publicação da monografia resultante desses trabalhos, há poucos dias apresentada no MNA com a restante colecção (Memórias d’Odiana 2) mas que estava editada desde Abril.

Para estas memórias das Pedras Talhas, fica o relato do episódio já muito distante, em que conheci o Fernando Ferreira. Estávamos no início dos anos 80, e o recém criado IPPC através do respectivo Departamento de Arqueologia, tentava disciplinar e enquadrar a actividade arqueológica no país, então uma actividade essencialmente "amadora". Notícias na imprensa sobre escavações em São Vicente de Fora, de Lisboa de que não havia qualquer registo oficial no Instituto, determinaram a pedido da Directora Geral, Natália Correia Guedes, a minha deslocação oficial ao conhecido convento, afecto ao serviço do Patriarcado de Lisboa. Fui recebido por um arqueólogo de que nunca tinha ouvido falar, (Fernando Ferreira, era ao tempo um bancário, licenciado em História e “apaixonado” pela Arqueologia, julgo que contemporâneo na Faculdade de Letras de Lisboa, do Victor Gonçalves e do José Arnaud) numa atitude muito formal e claramente “defensiva” e que a primeira coisa que fez, foi apresentar-me cópia de um ofício dos “Monumentos Nacionais”, já algo amarelecido pelo tempo,  no qual se “autorizavam” as escavações que já duravam há alguns anos. Esclarecida a situação e quebrado o gelo inicial, o Fernando Ferreira que vinha há muito escavando o antigo "carneiro” (ossário) existente numa cripta de São Vicente, dispôs-se então amavelmente a mostrar-me o resultado das suas descobertas, algumas bem macabras, como se pode imaginar e que haviam feito as delícias dos jornais.

Páginas da Monografia de F.E. Rodrigues Ferreira (Arqueologia Alto-Medieval no Regolfo do Alqueva) recentemente editada 
ADENDA

Com a devida vénia, transcrevo a mensagem que a propósito desta funesta notícia, o José d'Encarnação acaba de divulgar no ARCHPORT:

 Só há momentos acedi à archport e fui surpreendido pela breve notícia da morte de Rodrigues Ferreira, que não tive o gosto de conhecer pessoalmente.
         Como António Carlos refere, tive, porém, ensejo de comentar o volume publicado sob sua direcção e adiantei, na altura, como escrevi, «Aliás, poderei acrescentar que Rodrigues Ferreira perfilha a opinião – neste volume não expressa, porém – de que alguns dos grafitos presentes em rochas da região podem estar redigidos em aramaico». Resultava essa informação da correspondência que, ainda mui recentemente, travara com ele. Ainda mantenho por responder, porque desejava debruçar-me com muita atenção sobre ela, uma primeira versão do livro Inscrições pré-romanas da Almofadinha (Barrancos, Portugal), da responsabilidade da equipa que com ele trabalhou, versão que fez o favor de me enviar no passado dia 4. Da carta que a acompanhava, tomo a liberdade de transcrever as seguintes passagens, que mostram alguém conformado com a situação, mas de suma delicadeza:

Não o vou incomodar mais, mas fico-lhe muito reconhecido pelo interesse que fez o favor de manifestar, mas dir-lhe-ei o seguinte: esta matéria é muito delicada. Normalmente há duas hipóteses de actuação, ou se diz que sim, ou se nega. Porém o negar ou identificar os caracteres e as evidências com sulcos de arado também tem as suas responsabilidades, porque o sim ou o não traduzem uma postura e responsabilizam as pessoas... ou as alminhas... O melhor então é ignorar... que é o que me tem acontecido por este País à beira-mar plantado; assim ninguém se compromete!
            […]
Ainda em prova, sujeito a correcções que já fiz, mas não na versão que lhe envio, apresento-lhe, em primeira mão, o texto da publicação. Prefiro receber algumas críticas, que espero construtivas, do que “esconder” por mais tempo o que considero um feliz achado, há muito esperado, obviamente, mas que teimava em não aparecer.
            […] 
Eu deveria estar hoje no Museu Nacional de Arqueologia, onde talvez pudéssemos conversar, mas não estou mesmo virado para lançamentos, quando um dos lançados sou eu... Normalmente prefiro trabalhar na solidão do meu escritório...

         O trabalho será publicado – e ficará como testemunho de um espírito sedento de saber.
         Que descanse em paz!
                                                                                     J. d’E.

Sem comentários:

Enviar um comentário