terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ainda a Gruta do Escoural, 
a propósito de recente artigo da National Geographic



A edição de Janeiro de 2015 da prestigiada NATIONAL GEOGRAPHIC, disponibiliza um interessante artigo de divulgação sobre a Arte Rupestre Paleolítica, altamente valorizado pela sua componente fotográfica como é tradicional nesta centenária revista. A edição portuguesa (ao contrário da americana) trás mesmo este tema para a sua capa, ilustrada com uma magnífica foto dos célebres bisontes de Altamira, a gruta cantábrica que no final do Século XIX, após violentas polémicas, acabou por ser determinante para a aceitação da existência da própria “Arte Paleolítica”. O artigo vem documentado com um mapa da Europa, onde se localizam alguns dos exemplos mais conhecidos de sítios rupestres paleolíticos. Não tive acesso ao artigo original mas é possível e aceitável que na sua tradução e adaptação à edição nacional, se tenham acrescentado algumas referências ao território português, tanto no texto como no referido mapa, onde de facto aparecem localizados o Vale do Côa e a Gruta do Escoural.

National Geographic, Janeiro 2015 (ed. portuguesa)

 Este mapa trouxe-me à memória o meu primeiro manual de arte rupestre, adquirido no ano em que ingressei na Faculdade de Letras (1970), na então nova Livraria Ler (Campo d’Ourique, das poucas que ainda vão resistindo em Lisboa). Tratava-se do livro “L’Art Paleolithique”, de Peter J.Ucko e Andrée Rosenfeld, na edição francesa da Hachete, publicado simultaneamente  em Inglaterra e França, no final do ano de 1966. 



O que ainda hoje me parece extraordinário é que, nesta obra se fazia já referência à Gruta do Escoural que havia sido descoberta em 1963, mas cuja componente rupestre só se confirmara em 1965. Para compreender esta circunstância, que colocava então esta Gruta portuguesa em destaque, é preciso recordar que após a resolução da questão da autenticidade e do estabelecimento dos primeiros quadros cronológicos, os arqueólogos se começavam a interessar-se pelo reconhecimento da distribuição geográfica da Arte Paleolítica. No início dos anos 60, ainda dominava uma visão confinada à Europa Ocidental  (França e Espanha) e centrada em 3 núcleos principais: Périgord, Pirinéus e Montes Cantábricos. É certo que já então se conheciam excepções, mas eram assumidas como tal ou, nalguns casos, era mesmo posta em dúvida a sua cronologia paleolítica. É neste contexto que a descoberta do Escoural terá ganho especial importância. 



O mapa publicado em 1966 na obra de P.Ucko e A. Rosenfeld. A Gruta do Escoural, a mais Ocidental da Europa com arte rupestre paleolítica, aparece referenciada com o nº1.


Como se sabe, Farinha dos Santos, apesar de ter observado as primeiras pinturas no Outono de 1963, alguns meses após a descoberta da Gruta, hesitou algum tempo quanto à sua natureza e cronologia. No entanto, com o apoio de Manuel Heleno,o todo poderoso director do Museu Etnológico de Belém (hoje Museu Nacional de Arqueologia), publicou na respectiva revista um primeiro artigo sobre a arte rupestre do Escoural em meados de 1964, defendendo a sua origem paleolítica. Por várias razões, as conclusões não foram bem acolhidas entre os arqueólogos portugueses e, na dúvida, foi decidido solicitar apoio estrangeiro. Graças à intermediação do industrial de origem francesa, Maxime Vaultier, verdadeiro mecenas da arqueologia da época, e ao apoio da Gulbenkian, foi possível trazer a Portugal em Janeiro de 1965, o padre André Glory, um discípulo do Padre Breuil, que se encontrava então a estudar a Gruta de Lascaux e um dos maiores especialistas de arte rupestre na sua época. Glory esteve dois dias em trabalho no Escoural e, na mesma viagem, viria a realizar várias conferências em Lisboa, sobre arte rupestre e pré-história, nomeadamente na Associação dos Arqueólogos Portugueses, na Sociedade de Geografia, no Liceu Charles Lepierre, na Faculdade de Letras e até na Fundação Gulbenkian, onde após o reconhecimento que fizera no Escoural, dissertou mesmo sobre “Lascaux e o Escoural”.  

Glory na Gruta do Escoural, em Janeiro de 1965

Com base nos dados que recolheu, poucos meses depois, Glory apresentaria uma comunicação sobre a Gruta do Escoural na prestigiada Société Préhistorique Française, que seria publicada no respectivo Boletim em Janeiro de 1966. A tempo, certamente, de Peter Ucko e A. Rosenfeld, incluírem na sua obra editada no final desse mesmo ano, este novo achado, que pela sua localização geográfica, vinha pôr em causa essa visão demasiado regionalista da Arte Paleolítica e que hoje está de facto completamente ultrapassada. Uma última nota. Andrée Glory comprometera-se a colaborar com Farinha dos Santos no estudo da Gruta do Escoural, a que deveria regressar no Outono de 1966, mas desgraçadamente tal nunca viria a acontecer porque viria a falecer num trágico acidente de automóvel em Julho desse mesmo ano.
Gruta do Escoural- Foto de motivo animalista pintado, publicada em 1966 na obra de P.Ucko e A. Rosenfeld

O mesmo motivo publicado no artigo de 1966 do Boletim da SPF, em que Glory regista também traços gravados e que interpreta como caprídeo.
O mesmo motivo em foto recente.


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