quarta-feira, 24 de junho de 2015


João Inês Vaz
(1951-2015)


Mesmo em férias, a fatídica e inesperada notícia chegou-me mais uma vez via Archport, graças à atenção e ao cuidado do José d'Encarnação, e conhecendo ambos, posso de facto imaginar o especial pesar com que este deu a dolorosa notícia. Apesar de sermos da mesma idade e de termos frequentado a Faculdade quase ao mesmo tempo, apenas conheci o João no início dos anos 80, quando ambos nos iniciávamos profissionalmente na Arqueologia, (com um percurso prévio semelhante no ensino secundário) numa época em que a "comunidade dos arqueólogos" era ainda pouco mais do que uma grande família (com todas as alegrias mas também as inevitáveis desavenças ...). Provínhamos, é certo, de escolas bem diferentes, ele da clássica Coimbra e eu da pré-histórica Lisboa, mas isso nunca impediu o convívio e a camaradagem entre colegas (e amigos, julgo que o poso afirmar) que partilhavam a paixão pelo conhecimento e divulgação do património da nossa terra. Desde que vim para Évora, porém, os nossos encontros tornaram-se mais raros, limitados à ocasional frequência de colóquios, congressos ou outros eventos relacionados com arqueologia e património. Recordo em particular, uma intervenção que fiz em Viseu, há bastante tempo e a seu convite, no pólo local da Faculdade Católica, sobre o projecto arqueológico do Alqueva. Ultimamente, graças ao Facebook (as redes sociais também têm aspectos positivos) ia seguindo com interesse as notícias, ainda que não muito frequentes, que ia dando das suas actividades. Interessou-me em particular a sua ligação a um círculo (fundação, associação?) ligado à divulgação da obra de Aquilino Ribeiro, um autor que me marcou muito desde a adolescência, graças à leitura de livros como o "Romance da Raposa" ou o "Malhadinhas", para não falar dos romances que li mais tarde. Aliás, recordo bem a visita que fiz em meados dos anos oitenta com João da Palma-Ferreira (então presidente do IPPC) à casa de Aquilino, na Soutosa (Moimenta da Beira), no decurso de uma viagem de trabalho à zona de Viseu, na qual a temática arqueológica da região (colecções do Cónego Celso, Cava do Viriato, Castro da Sra da Guia, arqueologia urbana em Viseu, etc..) esteve bem presente com a ajuda do José Beleza Moreira, director do Serviço Regional de Arqueologia do Centro e ex-colega em Coimbra do João Inês Vaz.

Em memória do João Inês Vaz, aqui transcrevo com a devida vénia o emocionado texto que o Zé d'Encarnação ontem divulgou no ARCHPORT.


In memoriam de João Luís da Inês Vaz

            Os que me conhecem e conheceram o Doutor João Vaz imaginam quanto me custa elaborar esta nota necrológica sobre um amigo do peito e companheiro de tantas andanças pelas lides da Arqueologia, da História Antiga e da Epigrafia, que hoje inesperadamente, vítima de colapso cardíaco fulminante, faleceu na quinta de Dalvares (Tarouca), quando, mui tranquilamente, se entregava a trabalhos agrícolas.
            Está em fase de conclusão a edição da actas da VIII Mesa-redonda Internacional sobre a «Lusitânia Romana - Entre Romanos e Bárbaros», que mui gostosamente e com enorme brio, organizara em Maio de 2013, em Mangualde, na sequência da participação noutras mesas-redondas dessa série. E, claro, muito havia a esperar dele, porque, tendo nascido no Soito (Sabugal), a 13 de Novembro de 1951, contava, pois, apenas… 63 anos!
            Tive ocasião de acompanhar muito de perto toda a sua carreira, pois foi meu aluno na Pré-Especializaçãoem Arqueologia, no ano lectivo de 1975-1976, e logo nessa altura nos apercebemos da sua inteligência, dinamismo, vontade de aprender e de… trabalhar, inclusive em Arqueologia, pois participou, ainda como estudante, quer nas campanhas que, nessa altura, o Doutor Jorge Alarcão fez em Collipo e em Conimbriga, quer em Braga, cujo projecto de salvaguarda dos vestígios romanos de Bracara Augusta dava, nessa altura, os primeiros passos!
            E logo no ano lectivo de 1977-1978, fez estágio pedagógico para o Ensino Secundário na Escola Secundária de Alves Martins, em Viseu, estágio que concluiu com a classificação final de 16 valores. Foi docente do Ensino Secundário e leccionou, nomeadamente em regime requisição, no Centro de Viseu da Universidade Católica Portuguesa.
            Foi Governador Civil do Distrito de Viseu desde 18 de Novembro de 1995 a 30 de Abril de 2002, cargo para que foi nomeado atendendo também ao enorme trabalho, mormente de índole cultural que cedo começou a desenvolver na cidade de Viseu, de cuja Câmara Municipal fora, de resto, vereador de Dezembro de 1993 aNovembro de 1995. Organizou, por exemplo, os dois colóquios arqueológicos de Viseu, em 1988 e 1990.
            Membro da Comissão Científica do (actual) Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, unidade de investigação a que sempre pertenceu, desde que foi criada na Universidade de Coimbra, depois de se ter interessado pela Arqueologia, pela História Local e Regional, foi a História Antiga e a Epigrafia que mais concitaram os seus interesses científicos. A sua tese de doutoramento sobre a civitas de Viseu (defendeu-a, em Pré-História e Arqueologia pela Universidade de Coimbra, a 20.10.1993) constitui, ainda hoje, uma obra de referência incontornável. Integrava a equipa de revista Hispania Epigraphica (da Universidade Complutense de Madrid), sendo, por isso, encarregado de rever todos os textos publicados sobre Epigrafia Romana, sobretudo na zona centro do País.
            Incansável defensor do património cultural; lutador; homem de causas que mui corajosamente abraçava; pai extremoso (como se poderá ver pelas informações acerca dos filhos que amiúde colocava no facebook - sua filha Gisela doutorara-se não há muito tempo, em Dublin, com um trabalho deveras inovador) - João Luís da Inês Vaz deixa-nos uma saudade imensa!
            E só nos resta elevar por ele uma prece: que descanse em paz!
            À sua mulher, Amélia Albuquerque, ao seu filho Edgar e à Gisela – apresento os mais sentidos pêsames, em meu nome pessoal e, creio poder afirmá-lo, em nome da comunidade arqueológica peninsular e, de modo especial, dos membros do centro de investigação a que pertencia e do Instituto de Arqueologia de Coimbra, que muito se honra em o ter como um dos seus primeiros alunos formados na Pré-Especialização.

                                                                                                José d’Encarnação

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