quinta-feira, 5 de novembro de 2015

BRACARA AUGUSTA

Estará disponível a partir de hoje em Évora, na Galeria da Rua de Burgos (Direção Regional de Cultura do Alentejo) uma interessante e pouco comum exposição divulgando um conjunto de propostas académicas de intervenção arquitectónica envolvendo ruínas romanas localizadas em meio urbano. A exposição, de carácter documental mas incluindo algumas maquetes, intitula-se “Intervenção arquitectónica em contexto arqueológico. Propostas e desafios para a cidade de Braga” e nela se apresentam projectos realizados por alunos do Curso de Estudos Avançados em Património Arquitectónico, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto sob a coordenação do Professor Pedro Alarcão. Poderá dizer-se que Évora, cidade de elevados pergaminhos romanos (o seu conhecido foral manuelino exibe com grande destaque o título de Ebura Colonia Romana) é adequada anfitriã para esta iniciativa, podendo a sua visita despertar o interesse e a curiosidade dos estudantes da jovem escola de arquitectura local. Mas haverá que não esquecer algumas diferenças estruturais essenciais entre os casos de Bracara Augusta e de Ebora Liberalitas Julia, diferenças que se reflectem na forma muito distinta como esse património se insere nas malhas urbanas contemporâneas. Pessoalmente, é sempre com alguma nostalgia que cito a experiencia de Braga e do seu Campo Arqueológico nascido na segunda metade dos anos 70, como produto típico das transformações sociais e culturais proporcionadas pelo 25 de Abril. A expansão urbanística explosiva em Braga era já uma realidade quando se deu a “revolução”, mas foi o movimento patrimonialista gerado por esta que proporcionou a necessidade e criou as condições para, à boleia da jovem Universidade do Minho, se instalar na cidade o Campo Arqueológico de Bracara Augusta visando "salvar" o que ainda não fora engolido pelas urbanizações. Ainda que num ambiente muito difícil (perante o "peso" dos construtores civis) pela primeira vez em Portugal se inconstitucionalizava um verdadeiro programa de “arqueologia urbana” visando o salvamento da memória histórica da cidade antiga através da escavação, estudo e valorização dos seus vestígios arqueológicos. Por outro lado, e essa era também uma novidade entre nós, o Campo Arqueológico vinha criar no final dos anos setenta as primeiras oportunidades de profissionalização nesta área, as quais viriam a ser aproveitadas por alguns colegas da minha geração que iniciaram as suas carreiras no âmbito deste projecto pioneiro. Entre outros destaco a Manuela Martins (colega de faculdade e amiga desde os tempos do salvamento da arte rupestre do Tejo), actualmente professora catedrática e responsável pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho e que nessa qualidade estará hoje em Évora na abertura desta exposição. Mas, como já tenho referido noutras ocasiões, não posso também de deixar destacar o papel importantíssimo que o Campo Arqueológico de Bracara Augusta teve para as transformações que a Arqueologia portuguesa viria a conhecer no início dos anos 80. Para além de escola de campo e de tirocínio para muitos arqueólogos (a começar pelo seu "fundador" e primeiro Director, Francisco Alves que em 1980 transitaria directamente para a Direcção do Museu Nacional de Arqueologia e do Departamento de Arqueologia do IPPC) a sua estrutura esteve na origem da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, serviço que por sua vez acolheria também em 1980 o novo Serviço Regional de Arqueologia do Norte, dependente da SEC, bem como o futuro Museu de Arqueologia de Braga, D.Diogo de Sousa, cuja sede viria a integrar importantes vestígios romanos "salvos" pelo Campo Arqueológico. Apesar dos sucessos que se traduzem hoje na musealização de vários conjuntos arqueológicos preservados ou nos "estudos e projectos" para outros, a "arqueologia urbana" em Braga nem sempre foi uma via unívoca. Bem pelo contrário, períodos houve de grande tensão, dado o peso dos tais "construtores" junto dos poderes instituídos. Em anexo recordo na sua versão original (foi reeditado em Raposo & Silva, A linguagem das Coisas, Europa-América, 1996, pg 394), um texto que publiquei no Diário de Notícias de 16 de Junho de 1994, precisamente num período muito complicado para a salvaguarda das memórias materiais da velha Bracara Augusta. 

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