sexta-feira, 27 de novembro de 2015


Notícias da Tourega



Dentro de uma semana, a União de Freguesias de Nossa Senhora da Tourega e de Nossa Senhora de Guadalupe, irá apresentar publicamente, um pequeno livro, com a transcrição, o comentário e a contextualização, de um velho manuscrito sobre estas terras. Trata-se de um interessante documento conservado na Biblioteca Pública de Évora e cuja leitura paleográfica se deve ao historiador Francisco Bilou. Deu também o seu contributo, através de um assertivo comentário que muito enriquece esta edição, o Professor Vitor Serrão, Catedrático de História de Arte da Faculdade de Letras de Lisboa (e já agora, meu estimado amigo e colega do curso de História da mesma Faculdade de 1970/75). Esta iniciativa editorial da União de Freguesias,  que contou com o apoio da Direcção Regional de Cultura do Alentejo e da Câmara Municipal de Évora, inscreve-se numa estratégia de divulgação e dignificação dos valores patrimoniais desta zona rural a "Oeste de Évora", entendidos pelos órgãos da freguesia como um recurso fundamental de identidade e de desenvolvimento que é preciso valorizar. Antes de mais junto dos próprios vizinhos, fazendo deles os seus primeiros defensores, mas também junto de todos aqueles (turistas, visitantes, curiosos) que cada vez mais atraídos pela riqueza paisagista e cultural do nosso território, nos visitam.

A jeito de aperitivo e de enquadramento aqui fica o texto de apresentação do livro pelos representantes da Freguesia.



Preservar as memórias da Tourega

Por oportuna sugestão do Professor Vítor Serrão, forjada no âmbito das suas mais recentes investigações sobre as estreitas relações entre a arte e a religião no aro de Évora e generosamente avocada por Francisco Bilou, técnico superior da Câmara Municipal de Évora, foi finalmente transcrito na íntegra o muito citado mas mal conhecido manuscrito oitocentista Notícia da Freguezia da Assumpção de Tourega, conservado na Biblioteca Pública de Évora, da autoria só agora também confirmada do Padre Manuel Carvalho Vidigal. A ambos os investigadores, os órgãos da União de Freguesias da Tourega e Valverde, agradecem a oportunidade de poder dar à estampa tão valioso documento para a história local, fechando-se com chave de ouro este círculo de boas vontades. Deste modo, três séculos depois da sua redação, o testemunho do antigo pároco da Tourega, sai do arquivo reservado onde jazia esquecido, correspondendo por fim ao propósito confesso do seu autor, de preservar e transmitir às gerações futuras, as memórias de um lugar que, como é notório na sua escrita, tão bem conhecia e tanto estimava.

Capa da edição que irá ser apresentada no dia 5 de Dezembro de 2015

Confirmando o velho aforismo de que vale mais tarde do que nunca, enquanto mandatários das gentes que hoje habitam estas terras de Valverde e Guadalupe, unidas administrativamente por forçada reforma, a União de Freguesias, no âmbito das suas limitadas capacidades e na esteira de antepassados como o Padre Vidigal, assume deste modo a responsabilidade de contribuir para o conhecimento e a valorização da herança cultural recebida, enquanto recurso identitário indispensável ao enriquecimento da nossa vivência em sociedade. Se tal é válido para qualquer lugar, ganha porém nestes tempos difíceis e nestas terras de Valverde e Guadalupe, uma importância especial. Com efeito, como bem nos lembra o Professor Vitor Serrão, apesar de hoje muito despovoado, este território das faldas da serra de Montemuro, no cruzamento de velhos caminhos que ligavam Évora ao Sado e ao Tejo, guarda significativos testemunhos de tempos próximos e longínquos, que lhe conferem uma identidade que, sem exagero, é quase única em meios rurais da região, mesmo considerando a tradicional riqueza cultural do Alentejo. Apesar de hoje mais conhecido por força da visibilidade do seu vasto património megalítico, aqui se conservam também vestígios materiais impressivos de épocas históricas bem mais recentes. É verdade que nem sempre reconhecidos ou valorizados, a começar pelos seus próprios detentores ou pelos vizinhos mais próximos. Quantos de nós temos afinal consciência do pequeno tesouro patrimonial que a Mitra encerra, tão minuciosamente descrito pelo Padre Vidigal, e onde coincidem, lado a lado com o melhor megalitismo pré-histórico, os restos arquitectónicos de um Paço Real quinhentista e da sua quinta de recreio ou um convento cartuxo e respectiva cerca prenhe de cunhos simbólicos, para já não falar na jóia renascentista representada pela pequena capela do Bom Jesus de Valverde?  
Não está este património, apesar de quase todo ele classificado ou inventariado[1], nas melhores condições de conservação, nem estará ao alcance da União de Freguesias, alterar significativamente esse estado de coisas, infelizmente demasiado generalizado por todo o país. Mas poderemos, certamente, diligenciar para que esta herança seja melhor conhecida e divulgada, desde logo pelos residentes menos atentos ou menos informados, na certeza de que esse é sempre o primeiro passo para a sua salvaguarda. Não se pode estimar aquilo que não se conhece, não se pode pedir respeito por aquilo que não se compreende. Tal como o Padre Vidigal há quase trezentos anos, também nós teremos de cuidar desta herança e transmiti-la às gerações futuras, se possível enriquecida com o nosso contributo de estudo e divulgação ou mesmo de conservação e restauro. Não faria hoje sentido e poderia ser até irresponsável, reclamar o regresso ao seu lugar de origem, a Igreja do Bom Jesus de Valverde, dos três painéis de Gregório Lopes, do melhor que há na pintura portuguesa do Século XVI, à guarda do museu de Évora vai quase para um século. Mas, em contrapartida, poderá ser encarado como um objectivo realista e ao alcance da comunidade local, a congregação de esforços e meios para que as nove tábuas do erudito retábulo maneirista da Igreja de Nossa Senhora da Tourega, a carecerem de urgente recuperação, possam ser estudadas e reintegradas na sua riqueza original, tal como propõe o Professor Vitor Serrão. Tal recuperação, associada a necessários trabalhos de simples consolidação das ruínas da vizinha Villa Romana, ou das restantes estruturas arquitectónicas na envolvente da Tourega, incluindo a Capela de Santa Comba, a Fonte Santa e o que resta do palácio dos Cogominhos, poderão fazer do sítio da Tourega, valorizado por enquadramento paisagístico soberbo, um polo rural de interesse turístico- cultural de primeira grandeza, a par da própria Mitra e do já hoje sobejamente conhecido e muito demandado, Cromeleque dos Almendres.

António Carlos Silva e Joaquim Pimpão
(Presidentes da Assembleia e da Junta da União de Freguesias de Nª Sª da Tourega e Nª Sª de Guadalupe)



[1] No território da União das Freguesias da Tourega e Guadalupe, estão classificados como Monumento Nacional, cinco sítios megalíticos, já incluindo o Cromeleque dos Almendres, reclassificado como tal por recente Decreto de 4 de Março de 2015. Estão ainda classificados como Imóveis de Interesse Público, para além do conjunto formado pela Quinta do Paço de Valverde, Capela e Claustro da Mitra, outros oito monumentos, incluindo sítios arqueológicos, como as Ruínas romanas da Tourega e diversas pontes históricas.

Retábulo da Igreja de Nossa Senhora da Assunção da Tourega

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