segunda-feira, 18 de abril de 2016

O novo e premiado Museu Diocesano de Santarém e as minhas memórias de infância...

A Igreja jesuítica de Nª Sª da Conceição, actual catedral de Santarém

Por várias razões estava com vontade de visitar o novíssimo Museu Diocesano de Santarém. Não só pelos prémios já recebidos (curiosamente a recepcionista de serviço reconheceu o aumento de visitantes após o anúncio dos prémios ...), também pelas várias referencias muito elogiosas que o meu amigo Vitor Serrão, com origens familiares scalabitanas, lhe tem feito, mas sobretudo pela circunstancia de ter vivido três anos da minha vida naquele magnífico edifício que hoje alberga o museu . Como é sabido, o grande conjunto arquitectónico que integra a Igreja jesuítica de Nª Sª da Conceição, hoje Catedral de Santarém, albergou durante muitos anos o Seminário Menor do Patriarcado de Lisboa, antes da fundação da Diocese de Santarém (1975). E como tal, funcionava como internato escolar para algumas centenas (?) de miúdos, entre os 10 e os 13 anos aproximadamente. Por razões várias, também lá fui parar em  62, com dez anos de idade. Nunca reflecti muito sobre os motivos que me terão levado às minhas "manhãs submersas", uma vez que tal não resultou de nenhum imperativo externo, para além das normais influencias ambientais, tendo-me sempre preocupado mais com as consequencias dessa opção, umas positivas outras negativas. Entre as primeiras e as que agora e aqui me interessam, avulta certamente a abertura a um mundo de cultura e arte que, ao tempo e no meio social donde provinha, seria de muito difícil acesso, se não impossível, para um miúdo a quem o Liceu estava economicamente vedado. Daí que, apesar do passar das décadas, sempre que me deparo profissionalmente ou em turismo com determinadas manifestações artísticas, seja ao nível da arquitectura barroca, seja do património azulejar, seja da pintura em geral, ou até da própria música antiga, as memórias de infância dão a essas experiências, uma substancia que sem elas seriam certamente muito diferentes. Foi pois com emoção que reentrei naqueles corredores que não revisitava há meio século mas tão presentes na memória como se tivesse saído de lá ontem. Espaços naturalmente depurados por uma intervenção museológica de qualidade, pese embora alguns detalhes infelizes mas que não prejudicam o conjunto. Apesar de impossibilitado de revisitar outras áreas também presentes nas minhas lembranças, como o grande claustro Sul, (para onde dava a pequena biblioteca onde descobri as primeiras novelas juvenis ou a banda desenhada belga, com o TimTim á cabeça) a Sala dos Actos, onde tínhamos as aulas de desenho, ou o grande corredor nobre cujos painéis de azulejos eu conhecia quase de cor, imaginando os invasores franceses ali aboletados, furando os olhos dos anjos com as baionetes (como nos contavam os padres, persignado-se...), o que revi foi no entanto suficiente para despertar de sensações, em especial o reentrar no velho refeitório. Mantido intacto pela presente intervenção museológica, apesar de adaptado a espaço de exposições temporárias, quase que ainda podia sentir os cheiros da velha cozinha, de onde através do grande janelão de vidro, passavam as travessas para a rapaziada esfomeada. Lá estava o janelão do púlpito, onde alguém lia durantes os pequenos almoços, de silêncio obrigatório, uma longa novela de guerra entre turcos e cristãos e cujo nome (imagine-se) ainda consigo lembrar: O Mediterrânio em Chamas. Mas, onde por vezes, num progresso "liberal" de assinalar, se passava música clássica num velho gira-discos. E de facto, durante anos a fio foi-me difícil abstrair de um certo odor a café com leite ou mesmo a manteiga meio rançosa, sempre que ouvia o início das sinfonias de Beethoven...




O refeitório, onde pela primeira vez ouvi Beethoven ou Mozart. Ao fundo à esquerda, o púlpito de onde se fazia a leitura...

À primeira vista, e face aos dramas da contemporaneidade, dir-se-ia, um ensaio de geo-estratégia política. Mas não. Trata-se da novela sobre as guerras entre turcos e cristãos, em pleno século XVI, que há meio século nos era lida ao pequeno almoço, no velho refeitório, hoje Museu Diocesano de Santarém.


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