sábado, 19 de novembro de 2016


O Ti Cristéta e as Pedras Talhas_ testemunho na primeira pessoa



LINK para o testemunho do Ti Cristéta, disponível no YOUTUBE:



Recentemente, acolhendo uma minha proposta, a União de Freguesias da Tourega e de Guadalupe, promoveu a recolha em vídeo dos testemunhos pessoais de três habitantes já idosos da freguesia os quais, de alguma maneira, têm que ver com o CROMELEQUE DOS ALMENDRES. Desde logo o Ti Bento (Bento Calhau) residente no Monte das Pedras que, ainda jovem, participou nos primeiros levantamentos de pedras megalíticas no sítio das Pedras Talhas, mesmo antes da sua identificação pelo arqueólogo Henrique Leonor de Pina, trabalhos executados à ordem do Engenheiro Miguel Soares, antigo proprietário da Herdade. Nesses trabalhos participaram também o Ti Samina, que ainda conheci no Monte das Pedras mas falecido vai quase para duas décadas e António Canaverde, do aldeia vizinha da Boa Fé, onde faleceu há muitos anos. Foi também recolhido o testemunho de Manuel Estevão, "canteiro" reformado da Câmara Municipal de Évora, responsável pelo restauro de alguns dos menires dos Almendres, intervenção promovida pela Câmara Municipal de Évora no final dos anos 80 e coordenada por Màrio Varela Gomes. A qualidade técnica e eficácia do trabalho de Manuel Estevão não passou despercebida na altura e ele viria mais tarde a ser "requisitado" para outros importantes restauros megalíticos, desde logo no vizinho Cromeleque da Portela de Mogos, mas também na reerecção do gigantesco Menir de Meadas, em Castelo de Vide, trabalho coordenado por Jorge Oliveira, há duas décadas atrás.

Guardando a divulgação dos testemunhos destes intervenientes para mais tarde, hoje darei especial destaque ao decano do trio, Joaquim Feliz Casquinha, mais conhecido por Ti Cristéta por razões que ele próprio explica no vídeo. A sua especial ligação às Pedras Talhas, que ele conhecia desde menino como toda a gente em Guadalupe, viria a acontecer pela sua participação nas escavações ali realizadas em meados dos anos 80 por Mário Varela Gomes. Trabalhador rural toda a vida, praticamente sem escolaridade, o Ti Cristéta mostra ainda hoje, apesar da sua idade, um discurso organizado e informado, por vezes arrumado em versos, produto de uma vasta cultura popular adquirida na escola da vida. É aliás notória a nostalgia e o respeito com que fala da sua participação nos trabalhos arqueológicos nos Almendres, como algo de muito especial que aconteceu na sua longa vida de trabalho. Esta é uma situação muito comum e que pode ser testemunhada por todos os arqueólogos que já recorreram a trabalhadores rurais nas suas escavações. Eu próprio recordo a emoção do meu falecido vizinho Samina quando há muitos anos soube que eu era arqueólogo e que conhecia o José Arnaud, o Martin Hock ou Leonor de Pina. É que Samina colaborara com aqueles arqueólogos nas escavações do início dos anos 70 na Corôa do Frade e posteriormente na Anta Grande do Zambujeiro, conservando ainda excelente memória em relação a essas experiências. Guardava até velhos recortes de jornais da época que se referiam a essas escavações.

O Ti Cristéta hoje já pouco sai da sua casa de Guadalupe e já quase não consegue cuidar do seu grande quintal. Mas não consegue estar quieto e por isso, passa boa parte do dia a fazer pequenos objectos de madeira, recordações materiais da sua própria vida e que vai guardando no seu pequeno "museu privado". No final da recolha do seu testemunho nos Almendres, convidou-me a visitar esse pequeno santuário de memórias e lembranças de toda uma vida de trabalho. 

Para além de algumas imagens que testemunham esta experiência proporcionada pelo Ti Cristéta, deixo também a transcrição das "quadras" por ele recitadas de memória na gravação agora divulgada, e que terão sido por si imaginadas num dos intervalos das escavações nos Almendres. Nelas, para além da referencia ao arqueólogo Mário Varela Gomes, aparece citada outra figura, o Francisco Serpa, um velho amigo de Reguengos de Monsaraz, à época colaborador próximo do Mário Varela. O Xico radicou-se há muitos anos no Algarve (foi durante anos o zeloso guardião da capela de Nª ª de Guadalupe, entre Lagos e Sagres) mas teve nos anos oitenta um papel que não pode ser esquecido na valorização dos Almendres (em cujo "velho monte" viveu largas semanas...) e que oportunamente aqui procurarei destacar.

Aqui ficam as "quadras do Ti Cristéta"

Se estas pedras falassem
Contavam aos visitantes
Com relações sexuais
Aqui estiveram dois amantes
Estava alguém a observar
Esta grande barracada
Aqui mesmo ao pé da estrada
E isto em pleno dia

Ele já a trazia
Atracada pela cintura
E inda qu’ela se queixasse
Mas isto tudo diria
Se esta pedra falasse

O Cromeleque dos Almendres
Merecia uma sentinela
Foi restaurado plo Xico Serpa
E plo Doutor Mário Varela

Está uma obra muito bela
Foi feita por seres humanos
Diz que tem cinco mil anos

Respeitem-no bem visitantes
Porque a abusar um bocadinho
Já aqui estiveram dois amantes

O sítio das Pedras Talhas
Fica-lhes em recordação
Ela não se quis deitar no chão
E tinha medo de se sujar
Mas assim vieram abusar
Dum monumento nacional
Não devem cá voltar mais
A este sítio onde tiveram

Relações sexuais

O Ti Cristéta no seu "museu", talhando uma colher em madeira.








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