terça-feira, 13 de dezembro de 2016


 Caetano Mello Beirão (1923-1991). 
Nos 25 anos do seu desaparecimento

Caetano Beirão, à esquerda com Susana Correia, acompanha trabalhos de escavação em Garvão.


Apesar de óbvia, tendemos a ignorar a evidência... mas certas circunstancias ou factos logo nos recordam que o envelhecimento tem importantes efeitos de natureza psicológica, nomeadamente sobre a nossa percepção da "velocidade" do tempo. E de facto, ao deparar recentemente com alguns "recorte"s datados de Outubro de 1991 entre os meus papéis, tomei consciência que haviam já (!) passado 25 anos (um quarto de século, uma quase eternidade quando se é jovem) desde o falecimento do arqueólogo Caetano Mello Beirão, uma figura determinante para a Arqueologia do Sul nos anos 80 do século passado. 

Quis confirmar a data exacta da sua morte, ocorrida na Alemanha no decurso de uma cirurgia arriscada, mas não encontrei dados sobre o óbito, mesmo na Internet, onde julgamos estar tudo. Infelizmente,  até "O Arqueólogo Português" deixou passar a oportunidade de, em devido tempo, publicar a mais que justificada nota obituária, até porque Beirão chegou a integrar, ainda que fugazmente, uma comissão directiva do Museu Nacional de Arqueologia. Sei no entanto de fonte segura que tal lapso estará em vias de ser reparado pelo Museu. 

Embora me pareça que a referida omissão não tenha sido propositada, também é verdade que Caetano Mello Beirão (CMB) estava longe de ser uma figura consensual no meio arqueológico. Desde logo porque era de algum modo um "outsider" ou pelo menos "uma vocação tardia". Embora até aos anos 80 fosse comum em Portugal, a Arqueologia ser praticada por profissionais de outras áreas (CMB era formado em Direito e exercera a advocacia), já não era tão habitual, até porque não existia a profissão de Arqueólogo, os "recém-chegados" assumirem a mudança de carreira, como viria a acontecer com CMB a partir de final dos anos 70. Por outro lado também pesaria na apreciação dos seus pares, sobretudo dos mais jovens, o seu pesado passado político-ideológico, assumidamente de extrema-direita (ou mesmo "fascista", já que CMB não tinha medo das palavras). Aliás, as poucas referencias que é possível encontrar hoje na NET sobre CMB, nomeadamente em "sites nacionalistas", valorizam em particular esse aspecto, confundido-o por vezes com o pai, também Caetano Beirão, conhecida figura do "Integralismo Lusitano" de António Sardinha. É verdade que CMB nunca procurou escamotear esse passado e, ocasionalmente, sobretudo quando na companhia de jovens colegas de "esquerda", até se vangloriava dele, contando saborosas histórias do tempo em que fora "secretário particular de Salazar" (?). Como a daquela recepção oficial dada pelo Presidente do Conselho ao Corpo Diplomático no Palácio da Vila em Sintra, em período de deterioração das relações oficiais com a Santa Sé, talvez por ocasião do exílio forçado do Bispo do Porto (1959). As ordens que tinha era evitar, por qualquer meio, que o Núncio Apostólico chegasse à fala com Salazar e Beirão gabava-se de ter evitado o indesejado encontro de forma pouco "canónica", agarrando violentamente a sotaina do Núncio...

Mas, na minha modesta opinião, o seu posicionamento político-ideológico, pouco ou nenhuma influência terá tido na sua, apesar de tudo, curta carreira arqueológica (1969-1991) ou nas atitudes ou decisões que tomou enquanto dirigente.  Entre os seus amigos e colaboradores mais próximos encontrava-se gente dos mais variados quadrantes políticos (até da "extrema-esquerda")  e se é verdade que nalguns casos pode ter havido alguma animosidade da sua parte (estou a pensar por exemplo nas sempre difíceis relações com o Campo Arqueológico de Mértola, dirigido por Cláudio Torres) pessoalmente e pelos dados que tinha dos contactos profissionais com CMB, julgo que tal atitude derivava mais de questões de relacionamento pessoal, muitas vezes condicionadas ou influencias pelas suas relações com terceiros, do que de preconceitos ideológicos. Aliás, se algum defeito poderíamos assacar a CMB enquanto "funcionário/arqueólogo", seria precisamente o de, na sua actuação técnico-administrativa, privilegiar em excesso as relações de amizade. Essa circunstancia vir-lhe-ia a causar alguns dissabores nos últimos anos como Director do Serviço Regional de Arqueologia do Sul (1980-1987), quando as relações se deterioram com um dos seus colaboradores mais chegados, o arqueólogo José Olívio Caeiro  entretanto também já desaparecido  (1949-2009).

Enquanto Director do Departamento de Arqueologia do IPPC e apesar dos Serviços Regionais de Arqueologia dependerem hierarquicamente da Presidencia do Instituto, tive oportunidade de acompanhar de perto aquelas dificuldades. Talvez por isso e também pelo facto de ter vindo a suceder a CMB no lugar de Évora, viria a divulgar-se entre alguns meios o "mito urbano" (que por vezes ainda aflora em conversas de "amigos") de que eu teria sido o grande responsável pela decisão do Engenheiro António Lamas de não renovar em 1987 a Comissão de Serviço de CMB. O próprio Caetano Melo Beirão, conhecedor desse "boato", no entanto, se encarregaria de o desmentir. Em 1988, por ocasião do II Encontro de Arqueologia do Baixo Alentejo, acto em que eu pela primeira vez eu estava presente como novo Director do Serviço Regional de Arqueologia, CMB convidou-me cavalheirescamente para almoçar n' "O Lobo", o velho restaurante de Ourique que costumava frequentar a quando das suas campanhas arqueológicas na região. Com efeito, muito antes do final da sua comissão de serviço, já havíamos discutido a possibilidade da minha futura integração, como simples arqueólogo, nos quadros do SRAZS, uma vez que por razões pessoais já havia decidido deixar a direcção do Departamento em Lisboa. Daquele almoço, e das suas motivações, uma das últimas vezes que estive com CMB, há várias testemunhas, entre elas a Susana Correia, já então arqueóloga do serviço de Évora.

Sobre o arqueólogo Caetano Melo Beirão e a sua obra, não serei certamente a pessoa mais indicada para testemunhar. Recorro para esse efeito a um pequeno texto publicado por ocasião do seu desaparecimento por Mário Varela Gomes, um dos seus mais próximos colaboradores. Esse texto, onde é dado particular realce ao contributo de CMB para o reconhecimento das culturas da Idade do Ferro no Sul de Portugal, está quanto eu saiba, apenas publicado no jornal "O Diabo" de 15 de Outubro de 1991, cujo recorte aqui disponibilizo em "facsimile". O mesmo integra um pequeno "dossier", então editado pelo referido jornal, com testemunhos de âmbito mais político de Jaime Nogueira Pinto e António José de Brito, correlegionários ideológicos de Beirão. Dado o óbvio interesse histórico e biográfico do documento, respeito a integridade dos "recortes", embora o texto de A.J. de Brito tenha sido republicado no "Site Causa Nacional" 

De referir nesta despretensiosa evocação dos 25 anos do desaparecimento de Caetano Mello Beirão, que o seu nome está hoje, de algum modo, perpetuado em Ourique, território onde realizou a maioria dos seus trabalhos de campo, sempre com o apoio do inseparável amigo Manuel Ricardo, o trabalhador rural da Aldeia de Palheiros, seu verdadeiro "pisteiro arqueológico". Com efeito, em resultado de uma parceria entre a Direção Regional de Cultura do Alentejo (herdeira do antigo SRAZS) e a Câmara Municipal de Ourique, está há alguns anos (2009) instalado naquela vila, o "Centro de Arqueologia Caetano de Melo Beirão".  http://cacmb.weebly.com/ É seu principal objectivo o estudo e a divulgação do património cultural da região, em particular o "arqueológico". No entanto, o seu primeiro programa de actividades, passa pelo estudo em curso do vastíssimo conjunto de objectos cerâmicos que foram descobertos e recolhidos por CMB e colaboradores nos anos 80, no chamado depósito votivo de Garvão. Um local de recolha dos contentores de oferendas, relacionado com a actividade de um santuário  religioso da II Idade do Ferro (Séculos IV -III aC) de importância supra-regional, que representou como bem destaca Mário Varela Gomes, uma das grandes descobertas arqueológicas da década.

A edição francesa da Tese de Doutoramento de Caetano Mello Beirão







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