terça-feira, 13 de junho de 2017

As Necrópoles de Ervidel

Extracto do artigo de J.M.Arnaud (Vipasca, 1, 1992) registando a descoberta da Necrópole Ervidel 3. O nº 10 localiza o grande povoado contemporâneo, Outeiro do Circo, actualmente objecto de investigação por Miguel Serra e Eduardo Porfírio.


Mais uma vez graças à amabilidade do Gonçalo Pereira, chega-me um novo recorte arqueológico do Diário de Notícias. Neste caso, uma pequena notícia de 9 de Janeiro de 1967, dando conta da descoberta ocasional de mais uma das várias necrópoles reconhecidas nos férteis terrenos agrícolas na envolvente de Ervidel (Aljustrel).



Tratava-se da Necrópole da Medarra, do final da Idade do Bronze, cujos materiais de encontram actualmente no Museu Regional de Beja e que seriam estudados mais tarde pelo eminente arqueólogo alemão H. Schubart no âmbito das suas investigações, ainda hoje essenciais, sobre a Idade do Bronze no Sudoeste Ibérico. Socorrendo-me de uma síntese recentemente publicada por Eduardo Porfírio, Miguel Serra e Carlo Bottaini (2012 ver aqui  ) recordo que a necrópole da Medarra escavada pelo arqueólogo bejense Fernando Nunes Ribeiro (antigo Governador Civil de Beja e o descobridor das Ruínas de Pisões), apresentava pelo menos seis cistas, ou seja pequenas "caixas" sepulcrais formadas por lages de xisto, no interior da qual era normalmente depositado o cadáver, em posição fetal, acompanhado por objectos pessoais, em cerâmica ou metal.

Este tipo de necrópole é frequente em todo o Sudoeste ibérico, sendo normalmente detectadas no âmbito de trabalhos agrícolas. De facto alguns anos depois da descoberta divulgada pelo Diário de Notícias, em meados de 1976, já no decorrer da intensificação agrícola que se seguiu às ocupações da Reforma Agrária, foi descoberta uma outra Necrópole, um pouco mais a Norte de Medarra, que para além das habituais cistas e materiais afins, apresentava uma magnífica estela decorada (a Estela da Herdade do Pomar, Ervidel) actualmente depositada no Museu de Setúbal, por razões que apenas as idiossincrasias arqueológicas poderão explicar, estela que esteve na origem de um exemplar estudo monográfico do meu colega de faculdade, o malogrado Jorge Pinho Monteiro de colaboração com Mário Varela Gomes. Para além dos normais atributos guerreiros do falecido evocado na lápide (um escudo, uma lança e uma espada) esta lápide mostra alguns artefactos estranhos à cultura ibérica da época  (mil anos antes de Cristo) mas que revelam já forte influencia mediterrânica (uma fíbula ou alfinete de mola, uma pinça, um espelho e um pente) "acessórios" que são aqui certamente usados como símbolos do especial status social da figura que ali fora sepultado. Durante muito tempo esta cultura do final da Idade do Bronze que corresponde à matriz sócio-cultural que irá absorver finalmente a influencia civilizacional do Mediterrâneo Oriental, era especialmente conhecida pelas suas necrópoles. Só recentemente, graças a alguns estudos ainda limitados desenvolvidos nos grandes "povoados centrais" que estruturavam o território (como o Castro dos Ratinhos, Moura ou o Outeiro do Circo, Beringel, ligeiramente a Norte de Ervidel), se começou a desvendar alguma luz sobre o modo de vida destas comunidades, agro-pastoris, já muito hierarquizadas e dominadas regionalmente por "guerreiros", como o que terá sido sepultado no Pomar.

A estela da Herdade do Pomar, segundo J.P.Monteiro e M.V.Gomes


Eu próprio, julgo que em finais de 1980 ou início de 1981, na altura em que iniciava a minha carreira profissional no então IPPC, me vi envolvido no registo de mais uma destas descobertas ocasionais. Por ordem do Francisco Alves, então director do MNA, dirigi-me com a minha colega Clara Vaz Pinto (já então algo familiarizada com a arqueologia bejense) a Ervidel, respondendo a uma solicitação das autoridades locais. É que, no decorrer de abertura de uma vala para irrigação, a Oeste de Ervidel, tinham sido encontradas umas ossadas humanas que haviam dado lugar à intervenção da GNR. Esta tomou conta da ocorrência e resolveu chamar o Delegado de Saúde. No entanto este rapidamente se dera conta que já pouca burocracia haveria a fazer, uma vez que o óbito teria ocorrido há qualquer coisa como 3 000 anos...Quando eu e a Clara chegámos a Ervidel, os ossos já estavam na GNR mas nas margens da vala então aberta ainda pudemos localizar os restos de duas cistas, já muito destruídas e algumas cerâmicas a ela associadas. Tudo recolheu ao Museu Nacional de Arqueologia acompanhado de um relatório que constará dos arquivos do Museu.

Consultando a base de dados do ENDOVÉLICO, bem como um trabalho de síntese de José Morais Arnaud publicado em 1992 na revista VIPASCA, em que se dá conta de uma outra descoberta desta natureza pela mesma época (1982) e que Arnaud então denomina Ervidel 3 -suponho que fazendo contas com Medarra 1967, (Ervidel 1) e Herdade do Pomar (Ervidel 2)- tenho dúvidas se a observação registada por mim e pela Clara Vaz Pinto (actual directora do Museu do Traje) estará devidamente assinalada na Base de Dados da Arqueologia portuguesa. A não ser que esteja relacionada com Cariolinha, ali identificada também como "necrópole" e que de acordo com a localização, não andará longe do local da descoberta de 1981.


As necrópoles da Idade do Bronze de Ervidel, segundo o ENDOVÉLICO.  Comparando com o mapa publicado por JMArnaud na Revista VIPASCA, Ervidel 3 está incorrectamente localizada.

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