quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Verão de 1993_ a "privatização" da Arqueologia Subaquática


Como referimos em anterior post (o verão quente da arqueologia portuguesa) a passagem de Santana Lopes pela Secretaria de Estado da Cultura (entre 1990 e 1994, XI e XII governos constitucionais, presididos por Cavaco Silva) ficou bem na memória dos arqueólogos, pelas piores razões. Mas os problemas não se resumiram às desastrosas reestruturações de serviços ou à escassez dos meios financeiros para os trabalhos de campo. Inesperadamente, e apesar de boa parte da lei de bases do património cultural (à época a Lei 13/85) carecer de regulamentação, o Governo começa a interessar-se pela "arqueologia subaquática": "Para além do gosto pessoal com que sempre acompanhei as questões relacionadas com esta área..." confessa Santana Lopes ao Expresso no final de Novembro, em artigo (claramente encomendado pelo lobby da liberalização da "caça ao tesouro") que anunciava para daí a poucas semanas, a apreciação em Conselho de Ministros de um decreto-lei "que abre à iniciativa privada, pela primeira vez, a exploração do património cultural subaquático português, considerado como um dos mais valiosos em todo o mundo" (o sublinhado é meu...). 



Apesar do poder do lobby interessado, cuja cara pública era assumida pelo advogado Rui Gomes da Silva, muito próximo de Santana Lopes, apenas em Junho de 1993 a proposta de Decreto-lei é aprovada em Conselho de Ministros. Pouco depois, Francisco Alves, na qualidade de arqueólogo em meio aquático e director do Museu Nacional de Arqueologia (e "pai" da Arqueologia Subaquática em Portugal) assina um importante artigo no Público (23 de Junho de 1993), alertando, com pleno conhecimento de causa, para os "abutres" que se prefilavam no horizonte à espera da nova lei...


A lei da "caça ao tesouro", como ficaria conhecida, acabou por ser publicada em Agosto (D.L. 289/93 de 21 de Agosto). Eu próprio, apesar de arqueólogo muito terra à terra , aproveitando o facto de colaborar regularmente no Suplemento Cultural do Diário de Notícias, acabei por reagir à nova Lei, em artigo publicado em 7 Outubro desse ano. (Nota: Francisco Alves ainda procurou arrastar-me para a arqueologia subaquática mas a minha relação com o "mar" nunca foi muito próxima... Apesar de inscrito num curso de mergulho organizado pelo MNA no início dos anos 80 em colaboração com o Centro Português de Actividades Subaquáticas, não fui além das aulas práticas na velha piscina do Instituto Superior Técnico).

Nota final: A revogação do D.L. 289/93, a par da suspensão das obras na Barragem do Côa, seria uma das primeiras medidas do 1º Governo de António Guterres, na sequência das eleições 1995. Em 1997, no contexto do novo Instituto Português de Arqueologia, era criado o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), dirigido pelo próprio Francisco Alves. Mas como tem sido notícia frequente nos últimos tempos, todas essas estruturas acabaram por ser desmanteladas em 2007. Os espólios arqueológicos e os equipamentos, semi abandonados num armazém do MARL alugado a preço de ouro (!), aguardam há uma década destino incerto.


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